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PONTO DE CULTURA - TAMBORES DA RESISTÊNCIA

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quinta-feira, 8 de março de 2018

As histórias (e os mitos) sobre o Dia Internacional da Mulher

A origem mais difundida da comemoração é um incêndio em uma fábrica em Nova York. Mas as socialistas russas também disputam a narrativa


                       Wikimedia Commoms
Montagem com fotos de grevistas nos EUA e na Rússia
Afinal, o 8 de março nasceu em Nova York ou São Petersburgo? Na foto, mulheres grevistas nos Estados Unidos (esq.) e na Rússia no início do século XX



A cada ano, uma velha história é contada com  ares míticos: no dia 8 de março de 1908 um terrível incêndio em uma fábrica têxtil de Nova York consumiu a vida de mais uma centena de trabalhadoras grevistas, que, ao demandarem melhores condições de trabalho, teriam sido trancadas no sufocante ambiente pelo próprio patrão, que as deixou queimar.


A comoção e a revolta subsequente teriam levado à consagração da data como um dia para lutar pelos direitos da mulher no mundo todo, inclusive emprestando a cor do uniforme das trabalhadoras para alçar o púrpura como o tom feminista por excelência. 

O problema é que a história não aconteceu bem assim, como explica a historiadora espanhola Ana Isabel Álvarez González no livro As origens e a comemoração do Dia Internacional das Mulheres, publicado em 2010 no Brasil pela editora Expressão Popular. Na verdade, a origem da data passa pelos Estados Unidos, mas também pela Rússia soviética. 


Segundo a autora, que buscou fontes primárias tanto na historiografia americana quanto na espanhola, o incêndio realmente ocorreu e matou 146 mulheres trabalhadoras, mas em 25 de março 1911, e não no dia 8. De toda forma, defende ela, o incêndio foi muito significativo para o movimento operário americano e para o feminista, mas, sozinho, não explica a determinação de uma data para o Dia Internacional da Mulher. 

A primeira pista de que a história não foi bem essa é a data escolhida: 8 de março de 1911 foi um domingo, data improvável para a deflagração de uma greve, uma vez que não causaria grandes prejuízos aos donos da fábrica. Além disso, incêndios desse tipo não eram incomuns à época. Também não há registros sobre a cor da roupa das funcionárias, que dificilmente usariam uniformes padronizados. 

Ao mesmo tempo, outro acontecimento envolvendo mulheres grevistas emergiu neste mesmo dia do mês: em 8 de março de 1917, as tecelãs de São Petersburgo fizeram um grande protesto, evento considerado o pontapé inicial da Revolução Russa. 

Ambas as histórias e suas respectivas disputas mesclaram-se ao longo do tempo, culminando com a institucionalização do 8 de março como feriado internacional pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1975. 

As trabalhadoras e o incêndio em Nova York 

Mas como um incêndio em Nova York passou a ser associado com o Dia Internacional da Mulher? 

O incêndio no prédio da Triangle Shirtwaist Company, em 25 de março de 1911, chocou pela brutalidade e o número elevado de vítimas (146), em sua maioria mulheres jovens e imigrantes, oriundas da Itália ou do Leste Europeu. 

Rosey Safran, uma das sobreviventes, detalhou como a tragédia transcorreu ao jornal The Independent: "Eu, junto com outras moças, estava no vestiário do oitavo andar do Asch Building, na Washington Place, às 4h40 em ponto, da tarde de sábado, 25 de março, quando ouvi alguém gritar “Fogo!”. Larguei tudo e corri para a porta que dá para Washington Place".

A porta, porém, estava fechada. "As meninas se amontoavam atrás dela. Eles (os chefes) mantinham todas as portas fechadas a chave, o tempo todo, por medo de que as meninas roubassem alguma coisa. Algumas estavam gritando, outras esmurrando a porta com os punhos, outros tentando derrubá-la. Não posso descrever como me sentia enquanto estava lá (na rua) olhando. Eu podia ver as pessoas, mas não seus rostos. Esperávamos que as redes dos bombeiros pudessem salvar alguém, mas elas não eram boas o suficiente para alguém que saltava de tão alto", lembrou ela.


 Ao menos 62 trabalhadoras pularam das janelas do prédio em chamas






Apesar de concluir-se que o incêndio não foi provocado intencionalmente - provavelmente alguém jogou um fósforo mal-apagado em uma pilha de tecidos, que inflamou-se rapidamente - o grande saldo de mortes, associado à cenas dantescas de pessoas jogando-se em chamas do edifício, gerou comoção pública e motivou protestos com milhares de pessoas.
Os donos da Triangle, porém, não foram condenados pelo júri, uma vez que não foi possível determinar que a porta do nono andar (onde morreram a maioria das vítimas) estava trancada por ordem expressa do patronato.
Além do incêndio escancarar as péssimas condições de trabalho enfrentadas pelas jovens imigrantes, parte do choque pode ser explicado pelo fato de que, um ano antes do incêndio, foram as trabalhadoras têxteis da Triangle que deflagraram e lideraram um movimento grevista que durou 13 semanas, entre novembro de 1909 e fevereiro de 1910. 
Conhecida como "O levante dos 30 mil", a paralisação no setor têxtil liderada por mulheres foi a mais importante realizada até aquele momento, um prenúncio da ebulição política do momento. 
Trabalhadoras do setor têxtil
                  Maioria da força de trabalho do setor têxtil era feminina e imigrante
Há poucos meses, o Partido Socialista Americano havia passado a apoiar o direito das mulheres ao voto. Em 28 de fevereiro de 1909, as socialistas americanas estabeleceram o Woman's Day, a ser comemorado ao final de fevereiro. 
No Woman's Day de 1910, cerca de 3 mil mulheres reuniram-se em protesto no Carnegie Hall, em Nova York. Entre elas, as grevistas das fábricas têxteis, que haviam encerrado a histórica paralisação poucos dias antes. 

As mulheres socialistas e a Revolução Russa
A outra parte da história do Dia Internacional da Mulher iniciou-se em Copenhague, na Dinamarca, em agosto de 1910. Transcorria a Segunda Conferência internacional das mulheres socialistas quando Clara Zetkin propôs a criação de uma jornada anual de protestos em prol dos direitos das mulheres, mas sem fixar uma data específica. A primeira comemoração oficial deu-se em 19 de março de 1911. 
No entanto, logo uma outra data em março tornaria-se ainda mais importante. 
Em 8 de março de 1917 (ou 23 de fevereiro no calendário gregoriano), descreve a teórica marxista Alexandra Kollontai, as mulheres saíram corajosamente em protesto às ruas de Petrogrado (então São Petersburgo).
Eram também trabalhadoras do setor têxtil, além de mães e esposas de soldados deslocados para os esforços da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) que, pressionadas pelos altos preços e pela escassez de comida, exigiam pão para os filhos e a volta dos soldados russos. 
Mulheres na Rússia
                    Mulheres dão o pontapé para a Revolução Russa em 8 de março de 1917
Nesse dia, conta Kollontai, até mesmo as forças de segurança do Czar titubearam diante do "mar turbulento da ira do povo". Para ela, as russas "ergueram a tocha da revolução e incendiaram todo o mundo". Foi o estopim do processo que culminaria na Revolução Russa. Além disso, as russas conquistaram o direito ao voto, as condições para o divórcio foram facilitadas e criou-se creches e refeitórios públicos para mitigar o peso do trabalho doméstico. A legalização do aborto, reivindicação presente até hoje em muitos países, foi obtida em 1920. 
Após a vitória dos bolcheviques, a data foi incluída oficialmente no calendário soviético, mas ficou basicamente restrita aos países socialistas até 1975, quando, por sugestão da ONU, os protestos e comemorações pelos direitos das mulheres no mundo todo passaram a se concentrar no dia 8 de março.

por Tory Oliveira PUBLICADO NO SITE: CARTA CAPITAL 

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