Mestre de capoeira é assassinado com 12 facadas pelas costas na Bahia após admitir ter votado "contra a intolerância". Vítima também era compositor, artesão, educador e ativista pela paz e contra o racismo. Assassino é fã de Jair Bolsonaro.
O Mestre de Capoeira Romualdo Rosário da Costa, de 63 anos, conhecido como Moa do Katendê, foi assassinado com 12 facadas em Salvador (BA), neste domingo de eleição (7).
O registro policial afirma que Romualdo foi morto em um bar na Avenida Vasco da Gama após declarar que votou em Fernando Haddad (PT) nas eleições 2018.
De acordo com a Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA), o assassino tinha chegado ao bar gritando o nome do candidato do PSL.
A perícia identificou que as 12 facadas proferidas pelo criminoso atingiram a região das costas de Katendê. Um amigo do mestre de capoeira, que tentou defendê-lo do ataque a faca, também ficou ferido.
Testemunhas afirmam que Romualdo estava na mesa com um amigo, quando um homem chegou no local, exaltado, gritando o nome de Jair Bolsonaro.
O Mestre de Capoeira se pronunciou e confessou ter votado no candidato do PT à Presidência, “contra a intolerância”.
Uma discussão foi iniciada e o autor do crime foi à sua casa pegar a faca com a qual atacou a vítima por trás.
A polícia conseguiu prender o assassino, que já estava se planejando para fugir. “Os policiais avistaram um rastro de sangue que levava até uma casa e prenderam em flagrante o homicida escondido no banheiro. Ele já estava com uma mochila com roupas no intuito de fugir”, informou uma nota da PM baiana.
Ativista contra a intolerância
Mestre Moa do Katendê era um conhecido ativista contra a intolerância religiosa. “Nós, de matriz africana, respeitamos todos. E o que queremos? Em troca, respeito e consideração. Agora, invadir terreiros, procurar difamar uma tradição milenar é um ignorância muito grande. Aqui é um desabafo, e isso no país todo está fortalecendo”, afirmou em vídeo divulgado em sua página recentemente.
Mestre Moa do Katendê não era somente um artista negro entre tantos da Bahia. Ele era referência na defesa das tradições africanas e percorria o mundo divulgando a arte.
Compositor, dançarino, capoeirista, percussionista, artesão e educador, dizia que a cultura poderia promover a paz.
Há 40, havia fundado o “Badauê”, várias vezes campeão do carnaval baiano nos anos 80, na categoria de afoxés. “Esse afoxé foi responsável pela reafricanização do carnaval baiano”, diz o amigo e produtor cultural em São Paulo do mestre, Leandro Sequelle.
Em 1995, criou o afoxé “Amigos de Katendê”, com o qual viajava pelo mundo. Nesta segunda-feira (8), tinha viagem marcada para São Paulo, a trabalho.
Primo de Moa, Germinio do Amor Divino Pereira, 51, também foi atingido com um golpe de faca no braço direito durante a confusão e foi socorrido para o Hospital Geral do Estado (HGE), onde permanece internado. Na ocorrência registrada no posto policial da unidade, testemunhas identificaram o autor das facadas como sendo o barbeiro Paulo Sergio Ferreira.
Irmão de Moa, Reginaldo Rosário, 68, conta que estava bebendo com as vítimas, no Bar do João, quando o autor da facada começou a defender ideias do candidato do PSL, ouvindo críticas do capoeirista que era um eleitor do Partido dos Trabalhadores (PT).
Reginaldo estava no bar e viu o irmão ser esfaqueado após a briga por motivos políticos (Foto: Marina Silva/CORREIO)
"Moa ponderou que era negro e que o cara ainda era muito jovem e não sabia nada da história. Moa disse ainda que ele tinha consciência do quanto o negro lutou para chegar onde chegou e o quanto Bolsonaro poderia tirar essas conquistas se chegasse ao poder", disse Reginaldo.
Ainda de acordo com o irmão das vítimas, após a discussão acalorada, um dos irmãos pediu que Moa ficasse calmo, no entanto, após a situação ter sido contornada, o autor da facada teria ido em casa, retornou com uma peixeira e atacou a vítima nas costas. "Foi tudo muito rápido. O cara foi em casa e voltou portando a arma. Chegou 'voando', atingindo meu irmão pelas costas. Foi muito difícil ver meu irmão naquela situação sem poder fazer nada", disse.
Filha do compositor, Somanair dos Santos, 35, conta que recebeu uma mensagem do pai nas primeiras horas da manhã do domingo (7) avisando que iria até sua zona eleitoral. Logo após a meia-noite, ela recebeu outra ligação de um parente avisando sobre o crime. Quando chegou ao local, encontrou o pai ensanguentado e sem vida.
Filha de Moa, Somonair contou que já encontrou o pai morto (Foto: Marina Silva/CORREIO)
"O homem chegou com os ânimos exaltados e ele (pai) pediu para parar. Já estava tudo aparentemente cessado, mas ele chegou na covardia, esfaqueando meu pai sem defesa alguma. Não teve nenhuma defesa porque era um homem sem maldade", conta.
Segundo ela, Moa tinha uma viagem marcada para São Paulo nesta segunda-feira (8). Ela afirmou que o artista se apresentaria com o grupo de afoxé Amigos do Catendê.
Também filha de Moa, Jesse Mahi disse que o pai tinha um comportamento tranquilo e que se mostrava favorável às ideias do PT, mas nunca tinha se envolvido em discussões políticas.
"O legado dele não acabou, existe muito a ser feito. Meu pai era fanático pelo partido, ele nunca foi a favor dos princípios da direita", disse.
Autor foi preso
Policiais militares da 26ª Companhia Independente de Polícia Militar (CIPM) prenderam em flagrante, na madrugada desta segunda (8), o autor do homicídio, o barbeiro Paulo Sérgio.
Paulo Sérgio chega em sala do DHPP para apresentação (Foto: Marina Silva/CORREIO)
Em nota, a Polícia Militar informou que foi acionada pelo Centro Integrado de Comunicações (Cicom), com informações de que dois homens tinham sido atingidos por golpes de faca e deslocou uma equipe para o local. Lá, os policiais receberam a denúncia de que o autor do crime teria fugido para um beco próximo e iniciaram as buscas.
"Os policiais avistaram um rastro de sangue que levava até uma casa e prenderam em flagrante o homicida escondido no banheiro. Ele já estava com uma mochila com roupas no intuito de fugir", informou a nota da PM.
Ainda de acordo com a polícia, o homicida foi levado para o HGE para ser medicado, pois estava com um corte no dedo, e depois apresentado no Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), na Pituba. Paulo Sergio Ferreira chegou ao DHPP, no final da manhã, cabisbaixo, tentando esconder o rosto com as mãos, e na presença de dois policiais civis. Ele estava com a mão esquerda enfaixada trajando apenas um short sujo de sangue.
De acordo com a delegada Milena Calmon, responsável pelo caso, o agressor vivia há cerca de dois meses no bairro. Em depoimento à polícia, Paulo Sérgio disse que estava discutindo com o dono do bar, quando Moa e o primo se envolveram na conversa.
No momento, diz a delegada, o agressor apoiava as ideias do candidato do PSL, Jair Bolsonaro, e as vítimas se mostraram contrárias. Paulo Sérgio nega que estivesse tratando de questões políticas.
Emoção no sepultamento do Mestre Moa do Katendê: